14 de fevereiro de 2012

OS OUTROS E EU, por Andréa Neves


Há poucos dias, em meio a uma conversa, não sei bem porque me lembrei de uma passagem da minha infância.
Quando eu era criança meu avô me ensinou um jogo que, hoje, acredito que ele  tenha inventado.  Nós o chamávamos de Trocar de Lugar.


Meu avô Tancredo e eu


A brincadeira consistia em usar a imaginação e trocar de lugar com uma outra pessoa, em qualquer  situação em que estivéssemos. A fila da livraria estava muito lenta, por que o funcionário estava demorando mais do que o necessário para fazer o atendimento? Ao invés de ficar impaciente, a ideia era trocar de lugar com ele e tentar compreender porque ele agia assim. Estava cansado? Tinha acordado muito cedo? Não tinha dormido direito? Alguém estaria doente na família?
Comecei jogando com meu avô e, aos poucos, sem que eu percebesse, estava jogando sozinha.
A intolerância da minha adolescência, fez com que o Jogo me parecesse politicamente correto demais e eu me esforcei para  abandoná-lo. Me lembrava Pollyana. Para quem não conhece, Pollyana foi um livro de leitura quase obrigatória para as meninas da minha geração. Era a estória de uma órfã que inventou o Jogo do Contente: por pior que fosse a situação, ela sempre encontrava uma razão para ficar contente. Do tipo: quebrou uma perna? Que bom que não foram as duas!
Mas a verdade é que assim como outras experiências da minha infância, de forma silenciosa, esse jogo já havia feito raízes no meu jeito de pensar e lidar com a vida. Já havia me ensinado a enxergar a mesma realidade de ângulos diferentes. A incorporar o olhar do outro ao meu.
E o Jogo virou mais um companheiro de viagem.

Não viajo sozinha. Caminho com e pelos que eu amo.
Como Drummond, do lado esquerdo também carrego os meus mortos.
E a todos eles, somam-se os meus “outros” nesse jeito multifacetado de ver e perceber as coisas.
Pensando bem, às vezes, acho que é gente demais para uma viagem só. Para uma vida só.

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