Renata Vilhena: ao Valor, secretária de Planejamento revela os caminhos que tornaram Minas uma referência em gestão pública eficiente desde o Governo Aécio Neves.
Renata Vilhena: gestão pública eficiente
Fonte:
Valor Econômico
“Governo federal não é mais referência em gestão pública”
Renata Vilhena: “Reúno a bancada e mostro os programas estratégicos; se eles apresentam emenda dou contrapartida até maior”.
Por Raymundo Costa e Rosângela Bittar
Renata Vilhena: ao Valor, secretária de Planejamento revela os caminhos que tornaram Minas uma referência em gestão pública eficiente desde o Governo Aécio Neves.
Serviço público baseado na
meritocracia, parceria com a
iniciativa privada,
equilíbrio fiscal. Trata-se de uma receita conhecida de
gestão pública, encontrada fartamente na literatura mas raras vezes aplicadas. O motivo são as pressões políticas na alocação dos recursos públicos.
Quem diz isso fala de cátedra sobre o assunto. É
Renata Vilhena, atual secretária de Planejamento de Minas Gerais, casada, 51 anos, mãe de dois filhos e estatística por formação acadêmica, mas cuja paixa de fato é a “
gestão pública“. Primeiro na equipe de transição do
governo Aécio Neves, depois como adjunta do então secretário do Planejamento,
Antonio Anastasia, ela é desde o primeiro dia
peça-chave no choque de gestão.
“Se uma empresa privada pode funcionar bem, o governo também pode”, foi a diretriz passada por
Aécio Neves, em 2002, depois de eleito governador. Com uma ressalva que a equipe tentou cumprir a risco: ele não queria passar quatro anos no governo fazendo ajuste fiscal. Queria também um plano de desenvolvimento. Minas tornou-se um Estado exportador do
choque de gestão, o cartão de visitas presidencial do atual
senador Aécio Neves. Se
Aécio for eleito Renata não vai pensar duas vezes: ” Eu venho (para Brasília) correndo”.
Valor: O que é o choque de gestão mineiro?
Renata Vilhena: O c
hoque de gestão foi um grande desafio e hoje estamos na terceira etapa. Na primeira, centramos no equilíbrio das contas públicas, é o pressuposto para a gente ter um bom
modelo de gestão, atingir os resultados. Segundo, foi a gestão de resultados, e a terceira, que é a
gestão da cidadania.
Valor: Para a população, o que significa?
Renata: O desafio sempre foi buscar entregar melhores resultados para a sociedade, a melhoria dos nossos indicadores em saúde, educação, defesa, em todas as áreas de governo. Nós queremos, através da boa gestão, entregar melhores resultados, gastando menos com o governo para que a se possa direcionar nossos recursos para a sociedade.
Valor: Vocês fizeram parcerias, tiveram apoio financeiro?
Renata: O
Banco Mundial esteve sempre conosco, acreditou no
modelo de gestão. O primeiro financiamento que nós pegamos nunca teve contrapartida financeira. A contrapartida foram os resultados, e ele sempre nos cobrou muito. Até porque nós não tínhamos o financeiro, o que a gente tinha era uma enorme vontade de implementar uma nova meta de gestão. E eles sempre insistiram num aspecto que para nós é fundamental: para se ter uma cultura consolidada de boa
gestão em Minas Gerais, não adianta ficar só no âmbito de
gestão do governo do Estado e com os servidores públicos, que nos temos a convicção de que isso já está bastante institucionalizado. Nós precisávamos avançar isso para os municípios de
Minas Gerais, principalmente dado a dimensão territorial e especificidades – 853 municípios.
Valor: Como é que vocês resolveram os três problemas principais apontados pela população nas pesquisas: segurança, saúde e educação?
Renata: Na saúde, um indicador é a
diminuição da mortalidade infantil em
Minas Gerais. O nosso desafio é termos, em 2015, uma mortalidade abaixo de 10 por mil; estamos com 13 mil.
Valor: E na segurança?
Renata: Houve diminuição de crimes violentos em
Belo Horizonte. Um dos programas importantes era de educação em tempo integral para que pudéssemos afastar os jovens da criminalidade. Um programa que envolve a
Defesa Social, com as polícias, as secretarias de educação, de esportes, para manter as quadras funcionando nos fins de semana, o
Poupança Jovem, que é uma bolsa que nós damos para que os alunos fiquem na escola e completem o ensino fundamental. A cada ano que ele conclui do ensino fundamental nós depositamos R$ 1 mil de bolsa e ao final ele pode sacar os R$ 3 mil com rendimentos.
Valor: A base da gestão para melhorar a Educação está no professor?
Renata: Na Educação onde estamos em primeiro lugar no ensino fundamental, e em segundo lugar, nos anos finais, nós identificamos que precisávamos fazer programas de intervenção pedagógica para que pudéssemos melhorar no índice do
Ideb (
Índice de Desenvolvimento do ensino Básico). Para isso fizemos um programa já trazendo as escolas municipais, que é o intervenção pedagógica 2, ao qual os 853 municípios aderiram para que a gente possa fazer o acompanhamento pedagógico de cada uma dessas escolas a fim de melhorar nossos indicadores. Da mesma forma a gente tem também um programa, o Reinventando o Ensino Médio – hoje o grande desafio do Brasil é o ensino médio, com uma evasão muito grande – onde nós também mudamos a estrutura pedagógica, inclusive as matérias que são de empreendedorismo também, incentivando os jovens a procurar novas oportunidades de empregabilidade, fazendo monitoramento passo a passo.
“Sem liderança política não se faz choque de gestão porque a pressão é muito grande na alocação de recursos”
Valor: Como vocês resolveram o problema de financiamento da remuneração do professor, do policial do agente de saúde?
Renata: Buscando eficiência na alocação de recursos. No caso da Defesa (
Segurança Pública, no governo mineiro, é definida como
Defesa Social),
Minas Gerais é o Estado que mais investe, 13% da nossa receita líquida vai para a área de
Defesa Social, que é todo o sistema. Integra operacionalmente a PM, Polícia Civil, CMB e agentes penitenciários. Nós conseguimos antecipar a PEC 300. Negociamos com a categoria um aumento escalonado até final
2014, início de 2015, nós teremos um piso que é o da PEC 300, que é de R$ 4 mil. O princípio da equivalência está no centro da solução. O primeiro posto da PM, ganha o mesmo que o primeiro posto nas demais corporações e assim por diante, Quando eu estabeleço uma meta, ela é compartilhada. Todos têm que cumprir essa meta.
Valor: Em todas as áreas há prioridade para treinamento e remuneração de pessoal?
Renata: Nenhum professor ganha menos do que R$ 1386,00, que está mais de 47% acima do piso. Na Saúde também nós fizemos um investimento muito grande. De janeiro de 2010 até hoje nós conseguimos aumentar 77% o salário dos médicos. Para que possamos atingir todas essas metas nós precisamos ter servidores engajados. Não adianta estabelecer um programa de prioridades sem ter o engajamento. Há outras formas de incentivo, como prêmio de produtividade. Pelo lado do servidor público o foco é a recuperação da autoestima.
Valor: Vocês estão conseguindo algum resultado na Saúde?
Renata: Nos temos um indicador que pega 20 indicadores de qualidade do SUS. Minas é o primeiro da região Sudeste e o quarto do país.
Valor: O que define como o essencial num projeto de gestão?
Renata: Nós temos uma infinidade de demandas e tarefas, existe uma burocracia que é legítima na
administração pública, então muitas vezes nós nos perdemos naquele emaranhado de coisas. A partir do momento em que nós definimos resultados e definimos metas, os servidores são focados nisso, são treinados na Escola de Governo, recebem remuneração que os valoriza. Por isso, o acordo por resultados é o instrumento mais importante porque desdobra isso para todas as equipes de trabalho. Ele sabe que o resultado daquilo pode levá-lo a receber até um 14º salário de prêmio de produtividade. O princípio da meritocracia avaliado pelo resultado que ele alcança, mas ele é avaliado também individualmente, porque a remuneração dele uma parte é fixa e outra parte pela avaliação de desempenho. A totalidade, 100% de nossos servidores passam por avaliação. Todos aqueles que ocupam cargo de comissão são avaliados. O governador me avalia, eu faço minha autoavaliação e o servidor me avalia.
Valor: O mérito não está mais nas prioridades da administração federal, há muito tempo.
Renata: As instituições são avaliados e os servidores são avaliados. Antes do governador
Aécio o servidor tinha promoção na carreira a cada cinco ano de exercício, o chamado quinquênio. Bastava ficar sentado, de braços cruzados. Aumentava 10% a remuneração.
Valor: Mudou também a forma de fazer o Orçamento.
Renata: Nosso norte é o planejamento. Então nosso PPA não é só uma mera obrigação constitucional. Ali estão os programas estratégicos e as metas físicas. Então o Orçamento reproduz o PPA com as metas financeiras. A alocação dos nossos investimentos é feita com a meta física do PPA.
“O governo federal abre um leque muito grande de programas e não consegue executar tudo; é impossível”
Valor: Nesse choque de gestão, como Minas Gerais lida com as compras governamentais?
Renata: O segundo gasto de um governo, depois de pessoal, são as compras públicas. Então nós montamos um sistema que acompanha toda a cadeia de suprimentos, desde o cadastramento de um fornecedor até o bem ser patrimoniado. Tudo feito pela internet, monitorado durante 24 horas.
Valor: E o programa de melhoria de gestão dos municípios?
Renata: É o coroamento de todo esse processo. Nós queremos passar toda essa experiência, toda essa metodologia para eles. Nos fomos inclusive procurados pelo pessoal do
movimento Brasil Competitivo, que vai acompanhar a execução do programa, inclusive os módulos à distância, para, se der certo, estendê-lo para outros Estados. Imagina capacitar 853 prefeituras. O governo vai anunciar também a escolha de 60 municípios para fazer acompanhamento in loco e não apenas à distância.
Valor: Independentemente do partidos político?
Renata: Nós nunca olhamos isso. Em nenhum programa. O ex-governador
Aécio sempre frisou muito isso: para que
Minas Gerais possa avançar, nós temos que fazer tudo independente de partido.
Valor: Uma das grandes críticas que o PSDB faz aos governos do PT é a do inchaço da máquina. O PSDB fez um choque de gestão sem aumentar a máquina pública?
Renata: O que a gente busca é a profissionalização, incentivar que servidores efetivos ocupem esses cargos. Nós fazemos certificação profissional para alguns cargos que são estratégicos para a implantação do
modelo de gestão. Um exemplo clássico disso: os diretores regionais de Saúde. É um cargo emblemático para que a gente possa fazer a descentralização do SUS. É um cargo que, legitimamente, tem indicações políticas. Então pode haver indicações políticas, mas desde que seja de uma pessoa certificada.
Valor: O índice de acidentes nas estradas de Minas continua muito elevado. Qual é a causa?
Renata: Somente 25% da malha mantida é estadual. Mas na hora que eu faço a pactuação, a gente pactua tudo. Os indicadores da nossa malha estadual estão todos ótimos e regulares. Agora grande parte da malha é federal. Esse ano, quanto eu estou deixando de arrecadar com a Cide? R$ 260 milhões. Então isso é um problema. A gente tem que buscar cada vez mais ser eficiente, mais criativo. Se eu pegar o que nós perdemos de Fundo de Participação do Estado (FPE), Cide e agora da receita de energia (ICMS), são R$ 950 milhões este ano. É um baque muito grande.
Valor: Como ser mais eficiente e criativo num quadro como este?
Renata: O ideal seria que o
governo federal pudesse passar a gestão das rodovias e fazer o acompanhamento e o monitoramento.
Valor: Que é a maneira antiga.
Renata: No fórum de secretários do Planejamento já estiveram representantes do
Ministério dos Transportes favoráveis a isso. Se um Estado tem dificuldades de atuar no seu âmbito, imagine o Dnit fazer para o país inteiro. É muito mais difícil. Se fizesse uma parceria, passasse esses recursos e pactuasse metas conosco, também.
Valor: O que interessou aos outros Estados no projeto de Minas?
Renata: Esse programa de certificação, como a gente faz a avaliação de desempenho individual, que é um dos maiores desafios de um
programa de meritocracia. Todos os Estados já nos visitaram. Eles querem conhecer o
choque de gestão e depois eles focam nos problemas específicos.
Valor: O que precisa para o “choque de gestão” dar certo?
Renata: Liderança. Se não tiver liderança não se implanta um projeto desses, porque na hora que define quais são os programas estruturantes, e que recursos vão estar alocados nesses programas, a pressão política para ter uma alocação diferenciada é muito grande. Essa liderança é fundamental num modelo desses. Todo início de ano eu reúno com toda a bancada, independente de partido, e mostro quais são os nossos programas estratégicos. Se eles colocam uma emenda num programa que é estratégico, eu dou uma contrapartida até maior.
Valor: Qual sua opinião sobre o modelo de gestão do governo federal?
Renata: Isso é muito discutido no âmbito dos secretários: no passado nos tínhamos o governo federal como referência em modelo de gestão. Hoje o governo federal deixou de ser referência e nós temos os Estados como protagonistas. Minas Gerais é muito reconhecida como o Estado que conseguiu colocar isso de forma integral, mas todos os Estados têm alguma área em que eles avançaram mais, são referências e nos procuramos fazer muito essa gestão compartilhada de conhecimento no âmbito do fórum, tanto no campo do planejamento como da gestão.
Valor: Por que isso aconteceu?
Renata: Muita coisa em que o Brasil vinha avançando, houve uma perda agora. Em diversas áreas, como de ciência e tecnologia, de governança eletrônica em que o Brasil era uma referência muito forte e que se deixou de fazer. E apesar do PAC, quando o governo federal abre um leque muito grande de programas, ele não consegue executar tudo. É impossível. Um número excessivo de interlocutores torna muito difícil fazer uma gestão. Quanto menor o número de interlocutores, é mais fácil fazer um monitoramento e uma cobrança. É o grande desafio.