28 de dezembro de 2010

Entrevista: Cid Gomes fala sobre ‘pacto de governabilidade’ e diz que Aécio Neves é mais aberto para conduzir mudanças no PSDB

“Polarização com PSDB é invenção paulista”

Entrevista com Cid Gomes


O governador reeleito do Ceará, Cid Gomes, 47 anos, pode não ser um quadro histórico do PSB, mas se faz imagem e semelhança do partido do qual se tornou um dos principais líderes. Um partido que tenta se equilibrar em meio à polarização – que ele diz ser artificial – entre o PT e o PSDB. Oriundo do ninho tucano, Cid Gomes diz, nesta entrevista ao Valor, que o PSDB é hoje o partido mais reacionário do Brasil, o estuário do pensamento conservador no país. Mas não vê contradição na proposta de chamar a legenda para um pacto nacional de governabilidade. É essa a sugestão que Cid Gomes deu a Dilma Rousseff tão logo a presidente eleita do PT saiu vitoriosa das urnas. Trazer a oposição para o governo é o que Cid Gomes propõe ao citar como exemplo sua experiência de governo no Ceará. Foi o que fez em 2006. É o que pretende repetir agora, no segundo mandato. Mesmo depois de uma eleição que deixou traumas. Num aceno extremamente conciliador, Cid Gomes afirma que não teve nenhuma motivação em impedir a reeleição de Tasso Jereissati ao Senado. “O PT fincou pé. A gente teve de se render a isso”, escusa-se. Chega a apontá-lo como o maior homem público vivo do Ceará. Cid Gomes também não vê contradição entre o modelo de um Estado de bem-estar social, reformista, e um ideário movido a meritocracia e iniciativa privada. Defende a gestão por organizações sociais (OSs), pelas quais os servidores públicos possam ser demitidos, e critica a presença do Estado na economia, embora ressalte seu papel regulador. “Em atividade econômica, o Estado, como regra, é péssimo”.
Valor: O senhor foi reeleito, o que significa aprovação do cidadão cearense. Quais foram os pontos fortes que o levaram à vitória?
Cid Gomes: Acho que há um componente meio que nacional de permanência, mas não é uma regra absoluta porque teve gente que tentou reeleição e não conseguiu. Aqui, a gente tem ações muito fortes de emprego. O Ceará tem batido recordes desde 2007. De 1999 até 2006, de acordo com os números do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), a média anual era de 23 mil empregos novos por ano. Nos últimos anos, conseguimos elevar para mais de 45 mil. E nos últimos 12 meses, para 84 mil. Isso dá quase quatro vezes a média histórica.
Valor: E o aumento se deve mais a que: à economia nacional ou a ações do governo estadual?
Cid: É difícil mensurar. Mas hoje temos 38 mil pessoas trabalhando em obras do governo do Estado. Não é funcionário público. É número de carteiras assinadas, conceito do Caged. O metrô de Fortaleza, por exemplo, emprega 2.600 pessoas.
Valor: Quais serão as prioridades do governo?
Cid: Temos dado sequência a um programa que prevê a universalização do atendimento em todos os níveis de atenção da saúde. Na saúde, temos dois problemas: de gestão e de financiamento. Você vê muita crítica nessa história de retorno de uma fonte de financiamento da saúde. Gestão é problema, mas não é o único. Tem problema de financiamento também.
Valor: O senhor é a favor da volta da CPMF?
Cid: Eu não defendo CPMF. Eu defendo CSS. A CPMF está sepultada. Tem a proposta de regulamentação da Emenda 29. Não é simplesmente pegar e aprovar um percentual sobre movimentações financeiras. É aprovar e regulamentar o que já está na Constituição, a Emenda 29, que estabelece os pisos de percentuais mínimos de aplicação em saúde por parte de todos os entes federativos. Na prática, o que estamos vendo é que, com algumas exceções, os municípios estão gastando mais, os Estados estão gastando mais, e a União é quem está gastando menos com saúde. E o grande argumento da União para gastar menos foi o fim da CPMF. Então, nesta regulamentação da Emenda 29, você define os percentuais, define o que de fato entra na rubrica de saúde, pois ainda há polêmicas. Por exemplo, há coisas paradoxais. Gastos investidos em saneamento básico de cidades de até 50 mil habitantes são considerados gastos de saúde, fora disso não é – o que é meio contrassenso.
Valor: E a questão da gestão?
Cid: Todas as estruturas novas de saúde que estão sendo feitas aqui no Ceará têm um modelo de gestão diferenciado. No nível de atenção secundário, que tem os centros especializados em odontologia e os centros especializados em saúde (policlínica), eles são administrados a partir de um consórcio em que o Estado entra com 40% da participação e os municípios da microrregião entram com 60%, e nessa mesma proporção há um rateio dos custos do dia a dia. O investimento quem banca é o Estado, construção e equipamentos. O consórcio é para manutenção, custeio, na proporção da gestão. A meta é universalizar: em cada uma das 21 microrregiões ter uma clínica odontológica e uma policlínica. Dos 21 centros odontológicos já temos 10, 11, fazendo, e policlínicas foram inauguradas as três primeiras. Em 18 meses estará tudo pronto. E ainda há o terceiro nível, que são os hospitais gerais em que o cidadão não precisa sair daquela região. Neles, também o modelo de gestão é diferente.
Valor: Como é este modelo?
Cid: Nesse nível, o Ceará está dividido em três macrorregiões. Ali, deve-se resolver todos os problemas. Antes só se resolvia na macrorregião de Fortaleza. Neste caso não vai ter participação dos municípios, porque é mais caro. Será 100% financiamento do Estado. Mas o modelo será diferente. Serão organizações sociais (OSs) que irão administrar. O vínculo empregatício dos médicos e dos profissionais será CLT, o que dá margem para você ter realmente uma política rigorosa com recursos humanos. É mais fácil fazer o impeachment do governador do que você demitir por mal atendimento…
“Já fui do PSDB, mas hoje o partido virou o estuário do pensamento conservador e reacionário do Brasil”
Valor: É o melhor caminho?
Cid: O modelo que permite você ser mais exigente na questão do bom atendimento à população é o celetista. O estatuto dá estabilidade e você perde o poder gerencial, na saúde principalmente.
Valor: A ideia das OSs está envolta num discurso pela meritocracia e, além do PSB, é defendida pelo PSDB. É um ponto de aproximação entre os dois partidos?
Cid: Veja bem, do PSDB eu já vim, muito tempo atrás. É um partido social-democrata por formação e tal, mas ao longo do tempo virou um partido liberal, ou melhor, representa o pensamento conservador hoje no Brasil. Estou muito satisfeito no PSB. Não estou querendo trazer ninguém do PSDB para o PSB e acho também que o movimento no sentido contrário é improvável que aconteça. Vamos ter caminhos independentes. Eu, porque sou um social-democrata, um reformista, torço para que o PSDB retome sua posição original.
Valor: Quando ele mudou?
Cid: Sempre que um partido chega ao governo ele tende a ficar mais conservador. Isso foi do início ao fim do governo Fernando Henrique. Associou-se ao DEM, e como o DEM não tem muita representatividade, virou o estuário do pensamento conservador do Brasil. Conservador-reacionário. O PSDB é isso. Hoje, se você for definir o PSDB, é tranquilamente o partido mais conservador do Brasil, mais reacionário.
Valor: Mais do que DEM e PP?
Cid: Mais do que o DEM, porque o DEM não tem força.
Valor: Apesar disso, o senhor sugeriu, logo depois de anunciado o resultado das eleições, uma aproximação com o PSDB. Não é uma contradição?
Cid: Não. É impossível você governar o país com um partido só, uma linha só. Não dá para ter ilusão, o Brasil é muito diverso e a política brasileira é fracionada demais, com grande quantidade de partidos, então tem que administrar a partir de alianças.
Valor: Mas as alianças já são suficientes para formar a maioria e deixar uma minoria na oposição.
Cid: O que eu propus, defendo e faria, se estivesse no lugar dela (da presidente eleita Dilma Rousseff): no governo, você tem claramente o partido do governo, que é o PT, que é um partido de grande tradição e tal, mas tem muitas tendências, uma guerra interna por espaço. Esse é o partido da presidente. Há um outro partido que é do vice-presidente, que é o PMDB, que é um ajuntamento de… – não vou dizer a mesma coisa que o Ciro não – de seções estaduais. [Numa frase que se tornou célebre, o irmão de Cid, o deputado Ciro Gomes (PSB), disse em abril deste ano, numa entrevista à TV, que o PMDB era um ajuntamento de assaltantes]. O PMDB do Rio Grande do Norte é uma coisa que pode ser absolutamente diferente do PMDB da Paraíba, que é o Estado vizinho. Não há unidade em uma linha nacional. O que abriga todo mundo no PMDB é o fato de serem lideranças regionais. Então, também é um partido muito complicado. E esses são os dois principais partidos. Quanto aos outros partidos que são da base, tem um grupo que é claramente mais ideológico – PSB, PCdoB – e tem esses outros que seriam partidos mais… (Cid demora a achar a palavra)
Valor: Fisiológicos?
Cid: (risos) Não, eu não vou dizer isso não. Estou disciplinado aqui para não atingir ninguém.
Valor: Mas como o senhor definiria esses partidos?
Cid: São partidos que têm afinidades com o poder, que gostam do poder. E neles se incluem o PTB, o PP, o PR e outros de menor expressão. É essa a correlação de forças. É um negócio complicado. Então, nessas situações, você sempre vai ficar com uma maioria frágil. Como nós estamos passando por um processo, creio que esteja acontecendo, não será natural, não será pacífico, mas tudo indica que haverá um processo de mudança de liderança no PSDB, e o Aécio tem um perfil de uma pessoa mais aberta ao diálogo, o que eu propus foi isso, um pacto de governabilidade.
Valor: Como seria este pacto?
Cid: Isso não quer dizer o PSDB vir para o governo, ocupar ministérios, não foi isso que defendi. Foi um pacto de governabilidade em cima de pontos claramente e publicamente colocados. Em cima desses pontos se veria o que poderia ser assumido como compromisso. Afinal de contas você tem essas coisas incoerentes no Brasil. Quando o PSDB estava no governo defendia a CPMF. Quando vai para a oposição é contra, e vice-versa. Então, a responsabilidade de governar faz com que as pessoas amadureçam. Há quadros maduros no PSDB que não vão ficar na política de rixa, de antagonismo, só porque são oposição. Têm que pensar no Brasil. Política não é concessão, não é generosidade, é um jogo, de perde e ganha, de retrai aqui, avança ali. É natural da política, é natural da vida, e eu então imaginei que o feedback, o retorno, o ponto de compensação para o PSDB fazer isso seria (ceder) a presidência do Senado para o Aécio. É o que eu faria se estivesse no lugar da Dilma.
Valor: Isso não tornaria o cenário mais confuso para o eleitor brasileiro, depois de o país ter conseguido uma polarização que identifica claramente os governos de plantão?
Cid: Qual é o polo muito claro? Eu sinceramente não me conformo com isso não. Qual é a afinidade ideológica entre o PR e o PCdoB?
Valor: De fato, estão longe. Mas o PT e o PSDB foram os responsáveis por dar a direção das políticas sustentadas por blocos, ainda que formados por siglas ideologicamente heterogêneas. Os dois partidos viraram, desde 1994, as opções mais identificáveis para os eleitores.
Cid: Mas é artificial. Nas últimas quatro ou cinco eleições, são os partidos que foram ao segundo turno. Mas é uma “catapultação” da política de São Paulo. É a exportação da lógica do modelo de São Paulo para o Brasil. E não é assim. Infelizmente, sei que São Paulo é muito forte, a mídia está em São Paulo, mas a realidade da política brasileira nos Estados, na média, é muito diferente de São Paulo. Em quantos Estados o PT disputou diretamente contra o PSDB? São Paulo, Pará… A coisa é artificial. É verdade que nas últimas cinco eleições foi essa coisa, mas eu acho que isso é muito mais a força da política de São Paulo. O Serra se impôs muito mais por conta disso. O candidato do PSDB mais fácil para conseguir agregar teria sido o Aécio.
Valor: Ele teria vencido Dilma?
Cid: Não, acho que não. O que venceu a eleição foi a força do Lula e a Dilma fez tudo direitinho.
Valor: Por que a preocupação em trazer o PSDB, se sabemos que os governos têm conseguido formar maioria? Dilma terá o PMDB ainda mais próximo, com Michel Temer, presidente da legenda, como vice.
Cid: Olha, às vezes você tem assim uma tentativa de setores querendo… Eu vou ser claro: a imprensa quer uma oposição. E não é assim. Acho que a gente pode ter pontos – e eu não defendi a cooptação do PSDB, não defendi que o PSDB viesse a fazer parte do governo federal. O que eu defendi foi (um pacto) em cima de determinados pontos que se superpõem a programas partidários, são questões do país. A Previdência, por exemplo. É muito pouco provável que ideologicamente você consiga encontrar diversidade nessa temática. Por que é cálculo atuarial. É fazer a conta direitinho de maneira que quem está hoje possa receber daqui a 30 ou 35 anos. É matemática simples. Estou falando de Previdência, mas há certamente mais dez temas que estão acima disso.
“Defendo a CSS e a regulamentação da Emenda 29 para definir o gasto que de fato entra na rubrica saúde”
Valor: Quais seriam os temas?
Cid: Previdência, reforma política, tributária…
Valor: Reforma tributária está acima de ideologia?
Cid: Não é que não tenha ideologia, tem muita ideologia. Mas vamos, você estabelece… O PSDB quando era governo foi o que mais aumentou a carga tributária.
Valor: Tributação maior sobre grandes fortunas é bem ideológico. Qual sua posição?
Cid: O meu partido tem isso no seu programa. E eu sou partidário. Então eu defendo. Os Estados Unidos, que são um país mais liberal que o Brasil, têm isso. Não quero polemizar demais não, mas, tudo bem, é um costume ocidental. Isso é para se discutir serenamente, sem radicalismo. Sou a favor da iniciativa privada. Em atividade econômica, o Estado, como regra, é péssimo. Defendo a propriedade privada, a iniciativa privada. Agora, o Brasil tem que dar respostas para muitos de seus problemas.
Valor: A sua proposta de pacto entre situação e oposição não embute uma estratégia do PSB de se pôr como mediador, ponte, fiel da balança entre o PT e o PSDB?
Cid: O nosso tamanho é muito pequeno para sermos fiel da balança. E eu não estou defendendo isso para ampliar a margem de poder do PSB. Isso, ao contrário, tende a desagradar quem participa da base, por imaginar que estou sugerindo a vinda de mais um partido para dividir espaço. Não defendo a ida do PSDB para o governo. Estou propondo um pacto nacional de governabilidade que teria data de começar e data de terminar, sem implicação no processo sucessório nacional, pelo menos de 2014. Pelo que eu proponho, teria dois anos de presidência no Senado para o Aécio e dois anos de pacto onde o PSDB iria dialogar, previamente. Essa agenda não seria feita no escuro não… Posso estar aqui pregando a utopia, mas eu fiz isso. Fiz até mais. Em 2006, trouxe o PSDB para participar do meu governo. Estendi a mão ao partido contra o qual concorri.
Valor: E agora?
Cid: Eu vou procurar o PSDB de novo. Tenho visto a Executiva, o comando partidário, muito hostil, mas vou conversar com os deputados. Sei que aqui é menor, imagina se a Dilma vai falar com 513 deputados, mas falo com 46. Antes de começar o novo governo devo provavelmente falar com todos os deputados.
Valor: Quantos deputados eleitos são da oposição?
Cid: Sete ou oito do PSDB, e o PR fez dois.
Valor: A imagem que se tem hoje é de um Estado em que o senhor tem uma hegemonia.
Cid: Não é uma hegemonia. Eu não tenho. Meu partido não tem. O PSB tem apenas 11 deputados de 46. Eu governo com alianças. A definição natural é de um governo de alianças, não de hegemonia.
Valor: Apesar do discurso pelo pacto, a eleição deste ano marcou o rompimento entre o senhor e seu irmão Ciro Gomes, e Tasso Jereissati, que fundou o grupo político que controla o Ceará há 25 anos. A derrota de Tasso para o Senado representou uma vitória ainda maior para o senhor?
Cid: Essa coisa de se movimentar para derrotar alguém sinceramente não é o que me entusiasma. Tentei de todas as formas viabilizar a manutenção da aliança principal do meu governo, lançando só um candidato ao Senado. E era perfeitamente compatível. A gente tinha um compromisso desde a eleição passada. O PSB, no governo, o PT, na vice, e o PMDB na senatória , e a gente não lançaria outro candidato ao Senado. Mas isso acabou não sendo possível, o PT fincou pé, queria lançar um candidato a senador, abriria mão do candidato a vice. E como essa coisa é uma coisa de aliança, não há nenhuma hegemonia, a gente teve de se render a isso. Não tive nenhuma motivação de derrotar o Tasso. Tasso é o maior homem público do Estado do Ceará vivo. É o único que foi três vezes governador, vivo e morto, foi senador da República, presidente de um partido nacional, então isso é matemática. Não está aqui nenhum juízo de valor.
Valor: O senhor vai para o segundo mandato e é jovem. Como vê, então, a oportunidade de igualar e superar a marca do Tasso, de três governos?
Cid: Não, não… sinceramente, não há a menor possibilidade de eu ser três vezes governador do Estado. São duas vezes e pronto. Na terceira não tem mais a energia.


Fonte: Cristian Klein - Valor Econômico

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