O senador Aécio Neves relembra o desfecho da grande mobilização nacional ocorrida em abril de 1984.
Neto de Tancredo acompanhou todos os comícios pelo Brasil. “Foi o movimento mais sublime da política brasileira”, comentou.
Fonte:
O Globo
Personalidades relembram 30 anos do movimento Diretas Já
Em 25 de janeiro de 1984, comício reuniu 300 mil pessoas na Praça da Sé, em São Paulo
No aniversário de 30 anos de um dos maiores comícios do movimento
Diretas Já, que aconteceu em 25 de janeiro de 1984 na
Praça da Sé, em São Paulo, personagens que participaram da
maior mobilização popular da História do Brasil relembraram a união da sociedade e de todas as correntes políticas divergentes em defesa da retomada do
voto direto para eleger o presidente da República. Como legado para o País, nesses 30 anos, apontam a consolidação incontestável das
instituições democráticas e o fim das ameaças de ruptura da
democracia. O desafio daqui para a frente, avaliam, é melhorar a qualidade da
democracia, da representação popular e transformar a estabilidade democrática em instrumento de desenvolvimento social para os brasileiros que vivem em situação mais vulnerável.
São Paulo completava 430 anos naquela quarta-feira chuvosa do início de 1984. Mas o clima ruim não dispersou a multidão estimada em 300 mil pessoas que fora à Sé para ouvir discursos de opositores do
regime militar. Uma celebração que nem o sistema de som precário esfriou o comício, que durou cerca de quatro horas.
No palanque, os ex-presidente
Fernando Henrique Cardoso, então senador e com 52 anos, e
Luiz Inácio Lula da Silva, dirigente sindical na época com 38 anos, dividiam espaço com líderes oposicionistas como o presidente do PMDB
Ulysses Guimarães (1916-1992), o governador do Rio,
Leonel Brizola (1922-2004), do
PDT, e o então prefeito da cidade,
Mário Covas, do
PMDB.
Fernando Henrique Cardoso destacou hoje ao GLOBO que, sem a mobilização popular, que teve sua alavanca no
comício da Sé, dificilmente teria havido a “aceleração da mudança histórica que levou ao fim da
ditadura militar no Brasil”.
— O vigor da enorme multidão nas ruas surpreendeu ate mesmo aos organizadores do movimento e assustou os donos do poder. Dai por diante o fim do autoritarismo era uma questão de tempo — disse.
O
ex-presidente Lula também exaltou hoje o movimento, que começava a tomar corpo naquele
comício, e a importância da
democracia.
— Nós precisamos aprender a valorizar a
democracia, sobretudo os mais jovens, porque a
democracia, em qualquer parte do mundo, foi conquistada a custa de muita luta, de muito sacrifício, de muita morte. A
democracia não foi de graça em nenhum lugar do mundo — disse Lula.
Herdeiro político e testemunha ocular de todo o movimento, junto com o avô, o
presidente Tancredo Neves, então do
PMDB, o
presidente nacional do PSDB e candidato a presidente da República Aécio Neves (MG), relembra o desfecho da grande mobilização nacional. Em abril de 1984 foi derrotada a Emenda Dante de Oliveira e
Tancredo partiu para a disputa no Colégio Eleitoral, sendo eleito. Como secretário do avô, aos 20 e poucos anos,
Aécio fazia a ponte entre
Tancredo e as principais lideranças das
Diretas Já:
Ulysses Guimarães, um dos atores mais importantes;
Teotônio Vilela, José Richa,
Leonel Brizola,
Franco Montoro,
Lula e
Fernando Henrique Cardoso.
— Me lembro de tudo. Viajei com
Tancredo para todos os comícios no País inteiro. Foi o movimento mais sublime da
política brasileira. A palavra certa é grandeza. Não havia um projeto pessoal, muito diferente da política atual, em que o Brasil enfrenta uma tentativa perversa de dividir o País entre nós e eles, como se o fato de ser
oposição nos tornasse menos patrióticos. Sinto saudade e reverência por aquele momento, onde lideranças com visões divergentes como
Lula,
Tancredo e
Fernando Henrique se juntaram a
Dante de Oliveira em torno de uma grande causa nacional — diz
Aécio Neves.
Depois do
comício da Sé, sucederam-se
manifestações em diversas outras capitais do país, até culminar com os gigantescos atos da Candelária, a 10 de abril, no Rio de Janeiro, e o do Anhangabaú, a 16 de abril, novamente em São Paulo.
Com a derrota da
Emenda Dante de Oliveira e a grande frustração nacional, relembra
Aécio, o
PMDB estava numa encruzilhada: continuava tentando aprovar uma outra emenda, ou lançava uma candidato ao
Colégio Eleitoral, que na prática , continuava sendo uma
eleição indireta, sem a participação do povo. Decidiu-se então que
Tancredodisputaria o colégio eleitoral para derrotar os candidatos ligados á ditadura.
— A campanha da candidatura ao
colégio eleitoral manteve a mobilização popular.
Tancredo viajou o Brasil inteiro fazendo comícios para legitimar sua candidatura e ter o respaldo popular, o que aconteceu. No dia que foi eleito , no discurso disse que seria a última vez que o Brasil teria um presidente eleito por um
colégio eleitoral e não pelo voto direto. E sua profecia se cumpriu — relembra
Aécio.
Com 19 anos na época e já militando no movimento estudantil na
Universidade Federal de Pernambuco, onde cursou Economia, o
governador Eduardo Campos, candidato a presidente pelo
PSB, diz que o movimento das
Diretas Já foi uma inspiração para sua atuação no
Diretório Acadêmico da UFPE. Lembra que mesmo sem as grandes massas do eixo Rio e São Paulo, Pernambuco foi o berço dos primeiros comícios, como o do dia 31 de março de 1983, no município de Abreu e Lima, e depois em Caruaru. Como
Aécio, acompanhando o avô
Miguel Arraes , participou dos grandes comícios pelo País afora.
— Com o movimento das
Diretas e a participação maciça da sociedade, incorporamos os valores democráticos de modo indelével na vida brasileira, assumimos um compromisso visceral com a
democracia. Desde então, nesses 30 anos, nunca mais tivemos ameaças de
ruptura democrática, como na
eleição de Juscelino. Isso passou a ser uma causa nacional que une todas as forças que tem responsabilidade no Brasil. Há divergências sobre muitas coisas, mas o compromisso com a defesa desses valores une a todos. Os setores reacionários hoje estão escondidos, envergonhados — diz
Eduardo Campos.
O socialista avalia que a única semelhança com a participação popular das
Diretas Já com as
manifestações de agora, que começaram em junho do ano passado, é a busca da melhoria do País.
— Naquela época o movimento era puxado pelas
lideranças políticas. Agora o movimento é autoral, todos e cada um procuram se representar, mas as circunstâncias históricas são difererentes. A semelhança é o desejo de melhorar o Brasil na
saúde,
educação,
moradia,
transporte e
segurança — diz
Eduardo Campos.
O senador
Pedro Simon (PMDB-RS), um dos líderes do movimento pelas
Diretas Já disse que naquele momento existiam duas instituições com força de partido: a Arena, o do “sim senhor” e o
MDB, o do “sim”. Segundo ele, o
Diretas Já não pode ser creditado a um grupo ou partido político, mas a toda sociedade brasileira.
— O movimento
Diretas Já, se olhar toda a história do país, foi um momento único, realmente do povo, com a ideia da
democracia. Não tem grandes fatos a serem comemorados em toda a nossa História. A República foi um golpe de estado, a abolição da escravatura foi uma assinatura da princesa Isabel — comparou ele.
Em 1970, contou, o
MDB perdeu as
eleições e por pouco não acabou. Mas em 1974 ele explodiu e foi crescendo, porém de forma desordenada, cada grupo defendia uma forma de atuar. Simon disse que preocupados com a situação, importantes lideranças do partido – Teotonio Vilela, Franco Montoro, Mário Covas,
Ulysses Guimarães e
Tancredo Neves — se reuniram no Rio Grande no Sul para discutir o problema.
O fato era que o partido era uma frente e o País vivia a ditadura, mas havia o sentimento de que era necessário garantir a dignidade.
O
MDB lança uma “Carta de Princípios”, com vários itens, sendo o principal deles a reivindicação “
Diretas Já” em 1983. Foi adotada a emenda
Dante de Oliveira (proposta de emenda Constitucional –
PEC), disse, apesar de existirem várias outras tramitando no
Congresso.
O movimento foi crescendo em todos os estados. E naquele 25 de janeiro de 1984, dia do aniversário de São Paulo, quando a prefeitura faz sempre festas populares, houve uma grande
manifestação popular a favor das “
Diretas Já”.
Para
Pedro Simon, passados 30 anos daquele momento, um muito importante foi feita a
Constituinte, mas que tem muitas coisas a serem aprimoradas.
— O grande equívoco da classe política é não fazer a regulamentação dos artigos mais importantes da
Constituição, como o da
fidelidade partidária e das
reformas financeira e
política — lamenta Simon.
Com grande atuação no movimento, o senador
Eduardo Suplicy (PT-SP) lembra que, antes do comício do Anhangabaú, ainda em 1983, o Partido dos Trabalhadores havia organizado um evento em favor das
eleições diretas na Praça Charles Müller, em frente ao estádio do Pacaembu, com mais de 30 mil pessoas.
— Dado o grande sucesso daquele evento, o PMDB e o então
governador Franco Montoro decidiram se engajar na luta pelas diretas mais fortemente. O governador designou o secretário da Cultura,
Jorge da Cunha Lima, para que junto com o representante do
PT,
José Dirceu, pudessem promover com sucesso o
comício da Sé, em 25 de janeiro. O governador achou interessante facilitar o acesso à praça da Sé, isentando as tarifas do
metrô. Foi o maior comício até então e com enorme ânimo — disse o então
deputado federal, que esteve no comício.
Suplicy lembra que, apesar de a emenda
Dante de Oliveira não ter sido aprovada, a força que emanou das
manifestações populares pelas
Diretas Já acabou colaborando com a criação de eleições diretas para prefeitos, governadores e presidente no período até 1989.
— A força foi de tal ordem que se tornou inevitável adotarmos as
eleições diretas nos anos seguintes, mesmo com a derrubada da emenda.
Para o
senador petista, as
manifestações de hoje são diferentes daquelas sobre em defesa das
diretas ou das
passeatas que resultaram na derrubada do ex-presidente
Fernando Collor, em 1992.
— Essas duas grandes
manifestações se caracterizaram pelo pacifismo, sem atos de violência e elas de alguma maneira tiveram efeitos muito importantes para a
democratização do país. O que esses jovens de hoje podem refletir é que as mudanças surgem quando se tem
manifestações muito fortes com legítimos anseios da população, sobretudo dos jovens, como a votação da
reforma eleitoral e política ou a proibição das contribuições de pessoas jurídicas (a campanhas). Minha recomendação, que tenho feito aos
manifestantes, inclusive
black blocs e
Anônymous, é seguir o exemplo de pessoas que conseguiram realizar grandes revoluções de forma pacífica, como
Mahatma Ghandi e
Martin Luther King.
* Por Maria Lima, Monica Tavares, Danilo Farielo, Márcia Abos e Ronaldo D’Ercole