1 de fevereiro de 2010

Plebiscito de Araque por Rui Fabiano


Plebiscito de araque


A estratégia de dar conteúdo plebiscitário à campanha eleitoral, sustentada por Lula e PT, está em contradição com o próprio diagnóstico presidencial a respeito destas eleições.Há algumas semanas, o presidente sublinhou, como aspecto positivo – e indicador de nossa evolução política, o fato de não haver candidatos de direita. Todos, na sua ótica, seriam progressistas. E isso seria bom.

Mais de uma vez, elogiou a qualidade de cada candidato. De fato, todos – Dilma, Marina Silva e José Serra - vieram da esquerda.Só Ciro veio da direita. Foi filiado à Arena, partido de sustentação ao regime militar. Mas já fez seu mea culpa e profissão de fé pública no socialismo, com uma veemência rara. É socialista – e ponto.Nesses termos, o plebiscito não tem cunho ideológico, na base do direita versus esquerda, mas tão-somente personalista, dentro dos padrões populistas mais ortodoxos.

Lula é o referencial. A eleição seria Lula versus “o outro”. O outro é Fernando Henrique Cardoso.

Nenhum dos dois, porém, é candidato. O embate, em princípio, será entre José Serra e Dilma Roussef, que têm biografias distintas dos seus patronos. Mas o presidente fala claramente nas duas eras: a dele e a de FHC. Povão versus elites.

A era dele, porém, naquilo que apresenta de êxito e substância doutrinária – a política econômica –, decorre da era anterior.Dá-lhe sequência. Não é casual que, à frente do Banco Central, esteja um ex-tucano, Henrique Meirelles, trazido para a política por Fernando Henrique, que o fez candidatar-se a deputado federal em 2002.

Para sinalizar ao mercado que não mexeria na política econômica – e não mexeu -, trouxe um tucano para o Banco Central. Hoje, Meirelles, filiado ao PMDB, é um dos ícones da Era Lula, que sonha em tê-lo como vice na chapa de Dilma Roussef.

O outro ponto forte da Era Lula é o Bolsa Família, seu principal cabo eleitoral, que, além de lhe render popularidade, serve para demonizar os adversários, acusados de planejar sua extinção.Ocorre que mesmo essa polarização é artificial e não resiste a um retrospecto. Quem aderiu ao sistema de bolsas foi o governo Lula, que antes o criticava.

Esse sistema chegou ao formato atual inspirado no Bolsa Educação, concebido nos anos 90 pelo então prefeito de Campinas, hoje já falecido, Roberto Magalhães Teixeira, do PSDB.O então governador do DF, Cristovam Buarque, encantou-se com a idéia e a trouxe a Brasília. Fernando Henrique gostou e a adotou nacionalmente. Lula, ao contrário, repudiou-a.São palavras dele, em 2000, disponíveis no YouTube: “Lamentavelmente, no Brasil, o voto não é ideológico, e as pessoas lamentavelmente não votam partidariamente. E lamentavelmente você tem uma parte da sociedade que, pelo alto grau de empobrecimento, é conduzida a pensar pelo estômago e não pela cabeça.

É por isso que se distribui tanta cesta básica. É por isso que se distribui tanto tíquete de leite. Porque isso, na verdade, é uma peça de troca, em época de eleição. E assim você despolitiza o processo eleitoral.

Você trata o povo mais pobre da mesma forma que Cabral tratou os índios quando chegou no Brasil, tentando distribuir bijuterias e espelhos para tentar ganhar os índios. Você tem como lógica a política de dominação, que é secular no Brasil.”O projeto social de Lula, quando assumiu – e está no discurso de posse –, era o Fome Zero, que não deu certo. O Bolsa Família reúne os programas da Rede de Proteção Social, concebido e conduzido por dona Ruth Cardoso, que incluía ainda itens como vale-gás e bolsa-alimentação.Fundiu-se tudo num rótulo novo e ampliou-se o número de beneficiados, etapa seguinte à implantação da idéia.

Não há, pois, nem mesmo na política assistencialista, o contraste indispensável aos plebiscitos, que é o choque de idéias ou projetos antagônicos.O que há é a velha luta por cargos entre PSDB e PT, cuja origem é São Paulo, berço de ambos. São os irmãos Karamazov da política brasileira. Não se entendem, mas se parecem.

O tom plebiscitário artificial que se quer impor à campanha serve, como dizia Lula em 2000, para “despolitizar o processo eleitoral” e manter “como lógica a política de dominação”.A massa, atenta ao Bolsa Família, continuará a “pensar com o estômago”, já que as questões mais relevantes estarão à margem dos debates.Pior para os debates. Pior para o eleitor.


Ruy Fabiano é jornalista

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