29 de junho de 2010

Modelo do choque de gestão implementado por Aécio e Anastasia já é referência para o setor público no Brasil


O espaço para o ajuste

A faixa onde o Estado pode atuar no controle de pessoal é bem mais limitada do que parece.

O choque de gestão mineiro deve continuar a ser aplicado e inspirar experiências similares no restante do país

Desde 1999, os Estados brasileiros vêm sendo forçados a pagar parcelas inéditas do serviço de suas dívidas e a responder, assim, por quinhão relevante do esforço de ajuste fiscal do país. Contudo, aproveitando a desculpa dos impactos da crise de 2008 e a necessidade de injetar demanda na economia, a União reduziu o esforço fiscal global e vem se beneficiando sozinha disso. Dentro da apertada camisa de força a que estão submetidos, estados e municípios continuam a gerar os superávits elevados de sempre. Que “camisa” é essa, e o que têm feito os estados?

Pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o gasto com pessoal dos poderes executivos estaduais não pode ultrapassar 46,55% das receitas (“limite prudencial”); novas renegociações de dívidas estão proibidas; e gastos de fim de mandato não podem mais ser transferidos para as novas administrações.

Além disso, os Estados são obrigados a gastar pelo menos 25% de suas receitas em educação e 12% em saúde. Após a última renegociação, o pagamento de serviço de dívida à União é no mínimo de 13% dos ingressos. Considerando todas essas limitações e evitando duplas contagens, sobra pouco dinheiro das receitas convencionais para destinar a investimentos, programas de áreas desprotegidas por receitas “vinculadas” e para o chamado custeio geral.

Em consequência, deu-se uma forte redução dos investimentos estaduais logo em seguida à assinatura dos últimos contratos de renegociação. Reconhecendo um grau mínimo de autonomia federativa, a União deixou, contudo, margem para recuperação dos investimentos por alguns caminhos (ainda que essas rotas tendam a se esgotar). No caso dos três Estados de maior dimensão, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que se encontravam estrangulados financeiramente à época da renegociação, as principais saídas seriam: 1) aumento de receita acima de uma projeção inicial, o que permite, inclusive, maior endividamento, pois reduz a razão dívida/receita projetada originalmente nos contratos de renegociação; e 2) venda de ativos.

É óbvio que os Estados podem sempre obter mais recursos mediante a contenção do gasto de pessoal, mas é compreensível que isso seja difícil de implementar além de certo ponto. Dados os limites previstos na LRF, haverá sempre forte pressão dos sindicatos de servidores, que no Brasil entram em greve sem qualquer restrição, para obter maiores reajustes de salário, desde que os limites não sejam ultrapassados. (Ou seja, há o risco de os limites virarem piso e de, a partir daí, os gastos com pessoal crescerem sempre junto com a receita). Fora do controle do executivo estadual estão os gastos dos “poderes autônomos” – Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, que detêm autonomia financeira e administrativa constitucionais. Também há o problema do excesso de “vinculações” de receita, pois qualquer economia de gasto de pessoal nas áreas vinculadas acaba tendo de se traduzir em outro tipo de gasto da mesma área. Em resumo, a faixa em que o executivo estadual pode atuar no controle de pessoal é bem mais limitada do que pode parecer à primeira vista.

Sem ter participado da experiência recente de ajuste de qualquer desses Estados, vejo com agradável surpresa os expressivos resultados obtidos até o momento, especialmente em Minas Gerais. Entre 2002 e 2008, pelos balanços publicados no site do Tesouro Nacional (que param em 2008), Minas praticamente quintuplicou os investimentos, passando de R$ 775 milhões para R$ 3,740 bilhões, enquanto a inflação aumentava uma vez e meia. Adicionando as inversões financeiras, os gastos com retorno produtivo passaram de R$ 1,422 bilhão para R$ 5,168 bilhões anuais. Resultado chocante, diante das dificuldades acima apontadas. Simultaneamente, Minas realizava ajuste fiscal (aumento do superávit anual antes de pagar dívida) de R$ 3,4 bilhões, ou 10,8% das receitas, muito acima do realizado pelo conjunto dos Estados (6,7%).

Para obter isso, houve um formidável esforço de aumento de arrecadação (aumento nominal de 2,3 vezes), e razoável controle do gasto com pessoal, que subiu 1,8 vez, um pouco acima da inflação e bem abaixo da receita. Registre-se que o desempenho de Minas foi também significativamente superior ao do total estadual no tocante ao desempenho dos investimentos e das receitas, que, na média, apenas dobraram.

O choque de gestão mineiro contém, contudo, outros ingredientes que não se veem em muitos Estados, muito menos na União, e que têm levado à melhoria expressiva do desempenho nas áreas de educação, saúde, saneamento, segurança e transportes, entre outras, conforme pude constatar em estudos sobre o assunto. Segundo declaração de representante do Banco Mundial, “Minas Gerais é hoje uma referência no país por trazer para o centro do debate político o tema da gestão pública associada à qualidade fiscal, à inovação na administração pública e ao uso de instrumentos de monitoramento e avaliação de impacto”.

Seria ótimo que a população mineira tivesse elementos facilmente disponíveis para checar muitos dos resultados setoriais obtidos, em face das providências adotadas desde 2003. Destaco, aqui, alguns que se sobressaíram numa primeira análise. Ao tempo que se tentava o ajuste financeiro acima referido, houve recuo da mortalidade infantil em 17%, entre 2003 e 2008; redução da taxa de crimes violentos em 45,2%, entre 2003 e 2009; redução em 8% do número de acidentes em rodovias estaduais e federais delegadas, entre 2003 e 2008; ligação asfáltica a 100% dos municípios mineiros por rodovias de responsabilidade estadual, a se completar até o final de 2010; maior destinação de recursos a áreas de menor índice de desenvolvimento humano relativamente às demais; aumento de 160% da parcela da população urbana com tratamento adequado de resíduos; instituição de adicional de desempenho funcional dos servidores, calculado com base na avaliação de desempenho individual; e, finalmente, resgate de vários direitos dos servidores, como o pagamento em dia de salários e benefícios, além da criação de novos planos de carreira, entre outras medidas relevantes na área de pessoal.

Como os problemas do setor público brasileiro são gigantescos, e Minas não foge dessa regra, o choque de gestão local precisa continuar a ser aplicado com garra e disposição, e finalmente inspirar a adoção de experiências similares no país.

Raul Velloso é consultor econômico, especializado em análise macroeconômica e finanças públicas e PhD, Master of Philosophy e Master of Arts em economia pela Universidade de Yale.


Fonte: Raul Velloso – artigo publica no Valor Econômico

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