1 de julho de 2014

Biografia Aécio Neves: ‘um conciliador na trincheira’

Valor faz uma retrospectiva da vida de Aécio Neves. Desde o tempo da juventude, passando pela convivência com o avô Tancredo.


Eleições 2014




Um conciliador na trincheira


“Nelson Motta serve?” Aécio Neves tinha sido convidado a falar de um livro que o ajudasse a entender a vida. “Vamos para uma coisa mais leve, um livro que lembra minha juventude no Rio, ‘Noites Cariocas’. Ele começa antes de mim, mas relata toda a década de 1970 e 1980. É o Rio no qual vivi.”

O livro, publicado em 2000, é “Noites Tropicais“. Nele, o produtor e crítico musical Nelson Motta, depois de historiar seu envolvimento com música desde a bossa nova, fala dos festivais de rock em Saquarema, onde Aécio costumava pegar onda no fim dos anos 1970, e das primeiras discotecas da década seguinte. A ditadura tinha vencido e virado a página do rock’n’roll e do idealismo hippie. A música agora era feita para dançar em lugares como o Dancin’ Days, na Gávea, que daria nome à novela de Sônia Braga, e o Noites Cariocas, no morro da Urca. É um indiscreto relato em primeira pessoa de um meio artístico movido a “Música Prapular Brasileira” e a drogas.

Aécio serve-se de torrada, ovos mexidos e suco no café da manhã em um hotel nos Jardins, em São Paulo. Sua campanha contratou uma equipe de advogados para denunciar quem dissemina boatos na internet, mas Aécio não se comporta como um atormentado pelo uso que se possa fazer da juventude abastada e festeira. Enfrenta a principal disputa eleitoral de sua vida com o slogan do adversário. Numa reprise do lulismo de 1989, o filme que a campanha tucana colocou em cartaz é o de um político sem medo de ser feliz.

“Na política vence quem mostra mais determinação ou blefa melhor.” A frase é de Tancredo Neves, vitorioso no jogo da transição com o blefe que lhe custou a vida. Ao avô imolado pelo país se sobrepôs a imagem do neto que não sacrificaria a vida pela política. Em 30 anos de carreira, Aécio sobreviveu a rivais como Newton Cardoso e a correligionários do porte de José Serra. Alimentar o repertório em torno do neto de Tancredo virou senha para demonstração de intimidade com o personagem, mas políticos, jornalistas e, mais recentemente, funcionários de campanhas adversárias, nunca produziram prova do que fazem circular na rede.

Relembra a noite anterior, quando foi emparedado no programa “Roda Viva” sobre consumo de drogas. “É do jogo, tem lendas para todos os gostos, não podia imaginar que chegaria aonde cheguei sem carregar várias delas.” Depois de oito anos como governador de Minas, diz que suas relações são as mesmas que tinha antes. “Não convivo com a alta cúpula econômica nem política do país. O que garante minha tranquilidade são a família e os amigos”, diz.

Quando é flagrado à noite Aécio está quase sempre na companhia de amigos de juventude. Um deles, Alexandre Accioly, é sócio da Bodytech, principal rede de academias de ginástica do país, de rádios, restaurantes e boates. Accioly reabriu, com João Paulo Diniz, o Noites Cariocas, que marcou sua juventude e a do amigo candidato.

Depois de listar livros de dois historiadores de presidentes americanos, Gore Vidal e Doris Goodwin, carecia de um para explicar o Brasil. Solta “Grande Sertão: Veredas”, de Guimarães Rosa. Dito assim, parece saído do manual da política mineira, mas o senador mostra apego: “Esse fala de onde viemos e um pouco do que somos”.

Aécio nasceu em Belo Horizonte em 1960. É o filho do meio entre duas irmãs, Andrea e Ângela. Quando nasceu, seu pai, Aécio Ferreira da Cunha, exercia o segundo mandato de deputado estadual e o avô paterno, Tristão Ferreira da Cunha, era deputado federal. Ambos pertenciam ao Partido Republicano, berço de Artur Bernardes e dos mineiros que dominaram a República Velha.

Aos 10 anos, Aécio mudou-se para o Rio com a família. O pai se preparava para o primeiro mandato na Câmara dos Deputados, e o avô encerrava o último. Ao deixar a Câmara, Tristão seria nomeado para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o Cade, do qual seria presidente até a aposentadoria, em 1974.

Os dois avós entraram na política como bacharéis liberais, mas nunca militaram nas mesmas fileiras. Tancredo era das minas e Tristão, das gerais. O avô paterno de Aécio era filho de professor e o materno, de comerciante em São João Del Rey, no sul do Estado, de família envolvida em política desde que o comendador português José Antônio das Neves se estabeleceu naquela que era a maior cidade setecentista de Minas. A mineração urbanizou o Estado e, das cidades, nasceriam as confrarias. Foi esse o seu berço político.

Aécio Cunha teve sua primeira eleição para a Câmara dos Deputados, em 1962, financiada pelo Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Criado para articular a reação de empresários e profissionais liberais, ao que consideravam uma escalada comunista no país, o Ibad contava com apoio da CIA.

No outro lado, mas não em campos opostos, estava Tancredo. Atraído para as hostes getulistas pela oratória em defesa de um veto presidencial, era o único ministro que estava no Catete na madrugada do dia 24 de agosto, quando Getúlio enfiou uma bala no peito. Voltaria ao centro de mais uma crise institucional na chefia do primeiro gabinete parlamentarista da República, condição dos militares para a posse de João Goulart. Tancredo permaneceria leal a Jango até a porta do avião que o levou a Porto Alegre.

A mãe de AécioMaria Inês, filha mais velha de Tancredo, separou-se de Aécio Cunha e casou-se, em 1978, com Gilberto de Andrade Faria. A família Faria fundara o Banco da Lavoura de Minas Gerais, que daria origem ao Banco Real e ao Banco Bandeirantes, divididos entre os irmãos Aloisio e Gilberto.

É da mãe o único telefonema que a irmã mais velha de Aécio atende num outro café da manhã em São Paulo. Traz notícias da caçula, Ângela, vítima de um acidente vascular no ano passado. O rosto não tem maquiagem, o sapato não tem salto, os óculos não têm aro e Andrea é paciente em explicar que tem menos poder do que se imagina sobre o irmão.

Dois anos mais velha, a irmã é a principal guardiã de sua imagem. A fama de dama de ferro da comunicação mineira foi construída na interlocução de um governo anunciante com chefes mais alinhados que suas redações. Como a internet dificultou o controle, os chefes de redação perderam poder para juízes e advogados especializados em crimes de injúria e difamação.

A relação entre os dois estreitou-se na morte do avô. Aécio sempre fala da política como destino. Andrea é da missão e a dela nasceu no Hospital de Base de Brasília.

Na véspera do dia marcado para a posse que nunca aconteceu, Aécio foi nomeado secretário particular de assuntos especiais da Presidência. Duas semanas depois da morte do avô, foi ao Palácio do Planalto entregar o cargo a José Sarney, que acertou ali sua nomeação, já negociada, para a diretoria de loterias da Caixa Econômica Federal (CEF). No cargo,Aécio começou a costurar sua campanha a deputado federal.

Um ano depois, deixaria a CEF para oficializar sua candidatura à Câmara pelo PMDB. Seria o mais votado de Minas. Naquela eleição, seu pai, Aécio Cunha, candidato, pelo PFL, a vice na chapa majoritária de Itamar Franco, foi derrotado.

Chegou ao Congresso em 1987 e lá permaneceria por mais de dois terços de sua vida pública. Na Constituinte, equilibrou-se entre as teses do Centrão, como o mandato de cinco anos para Sarney, e históricas do seu partido, como a desapropriação de terras pela função social e não pela produtividade.

Aécio Cunha cumpriu seis mandatos de deputado federal. Ao deixar a Câmara, com 60 anos, seria nomeado por Sarney para o Tribunal de Contas da União (TCU). Poucos dias antes de sua posse, em 1987, nota do “Jornal do Brasil” dizia que Aécio votara pelos cinco anos de Sarney em retribuição à indicação do pai. Cunha renunciou e abriu mão de rendimentos vitalícios em decisão que permanece inédita no tribunal. Com a posse de Itamar, seria nomeado presidente do Conselho de Administração do BNDES e, depois, conselheiro de Furnas e da Cemig.

Morreu de insuficiência hepática, em 2010, no dia em que o filho foi eleito senador. Deixou para os filhos uma fazenda em Montezuma, cujas cotas são o segundo item mais valioso do patrimônio de R$ 2,5 milhões declarado por Aécio à Justiça Eleitoral.

O autor da intriga que tirou Aécio Cunha do TCU, Newton Cardoso, também tinha terras em Montezuma e, quando governador na década de 1980, construiu uma pista de pouso na cidade que hoje conta com 7,9 mil habitantes. A pista foi reformada no governo Aécio. Mas a obra que mais causa dor de cabeça ao candidato na campanha é a do aeroporto de Cláudio, cidade natal da família da avó materna de AécioRisoleta Tolentino Neves.

O aeroporto foi construído nas terras desapropriadas de um tio-avô de Aécio que contesta a indenização oferecida pelo governo do Estado. A vocação econômica da região foi a principal explicação da campanha para o investimento na obra de uma pista sem operação comercial, mas nenhuma justificativa foi oferecida à posse das chaves do aeroporto pelo tio-avô do candidato.

O episódio distribuiria os ovos do familismo, antes exclusivamente atirados contra Eduardo Campos, e seria fartamente explorado pela campanha de Dilma, que opôs aeroportos fechados à chave àqueles invadidos pela classe C na gestão petista.

Aécio só ingressaria no PSDB depois da eleição municipal de 1988. O candidato do novo partido à Prefeitura de Belo Horizonte era o deputado federal Pimenta da VeigaAécio ficou no PMDB para viabilizar sua candidatura ao cargo, mas foi barrado pelo governador Newton Cardoso.

A adesão ao PSDB apenas aconteceria em 1989. Pela nova legenda, Aécio conseguiria disputar a Prefeitura de Belo Horizonte, em 1992, ficando em terceiro lugar.

Aécio ainda assistiria à ascensão de mais um tucano no Estado, Eduardo Azeredo, eleito governador em 1994 e, assim como Pimenta da Veiga, enredado no mensalão mineiro 20 anos depois. Com a derrota de Azeredo à reeleição, Aécio assumiria a dianteira do partido em Minas. Dois ranzinzas, nascidos no mesmo ano de 1930, e vítimas, cada um a seu modo, do Plano Real lhe serviriam de esteio: Itamar Franco e Mário Covas.

Aécio conquistara a unidade tucana em torno de sua candidatura para a presidência da Câmara com a defesa do partido na coalizão governista, onde o espaço ocupado pelo PFL era maior do que o atual feudo pemedebista no governo do PT.

Para enfrentar o veterano Inocêncio Oliveira (PFL), atraiu outro pernambucano, Severino Cavalcanti (PP), líder do baixo clero, prometendo verbas de gabinete. Anunciou medidas moralizantes, mas o acordo que lhe possibilitou chegar ao cargo manteria Severino na 1ª secretaria da Mesa.

Em outra frente, conseguiu passar emenda que limitou a reedição de medidas provisórias e estabeleceu prazo para que, se não votadas, caducassem. A medida, saudada como momento de altivez do Legislativo frente ao Executivo, acabaria por ampliar o uso das MPs pelos governos. Aécio arrancou o apoio não apenas do presidente Fernando Henrique, mas também do PT de Luiz Inácio Lula da Silva.

Eram evidentes os sinais de aproximação entre Aécio e o PT. No segundo turno de 2002, quando o mercado financeiro ardia em chamas com a perspectiva da eleição de Lula, Aécio se recusou a endossar o discurso do medo, ao contrário do que faz hoje em relação àpresidente Dilma Rousseff.

Naquele segundo turno, Serra teria em Minas um desempenho aquém de sua média nacional, perdendo de Lula por mais de três milhões de votos no Estado. A relação entre os dois, que nunca foi próxima, azedaria depois daquela eleição e só voltaria a se recompor em 2014 pelo interesse mútuo de que Geraldo Alckmin não seja o tucano de maior sucesso nesta campanha.

A candidatura presidencial de Aécio começou a ganhar contorno na campanha municipal de 2012, quando se desfez a aliança que, em 2008, havia reunido PSDB e PT na Prefeitura de Belo Horizonte. Partiu para unificar seu partido, corroído pelas disputas internas. Como Minas tem menos da metade dos votos de São Paulo, restou a Aécio esperar o PSDB paulista se mostrar inviabilizado para a disputa presidencial. Em 2013, Aécio desloca os paulistas do PSDB, assume a presidência do partido e, a exemplo do PT, centraliza as decisões sobre as alianças estaduais para 2014.

Se os estrategistas de Aécio pudessem se restringir a uma zona de conforto, a campanha seria dominada pelo choque de gestão. O governador tucano recuperaria a capacidade do Estado para se endividar e começaria a escrever em Minas um dos primeiros capítulos do pós-lulismo, quando os dotes dos gestores pareciam se valorizar mais do que a capacidade de fazer política. Essa toada embalou a estampa dos três principais candidatos à Presidência. O que ninguém contava é que uma insatisfação popular exigiria mais política que gerência.

Alvo de resistência dos sindicatos do funcionalismo público, o modelo de Estado implantado por Aécio parte do aumento de receita e redução de despesas. Alcançou-o com o fim de benefícios fixos e a adoção de prêmios de produtividade não incorporados à aposentadoria, além de recrutar novos funcionários sem concurso público.

Minas se encheu de greves, mas suas metas por desempenho pautaram administrações públicas do DEM ao PT, inclusive a de Eduardo Campos, em Pernambuco. No ano em que Aécio deixou o governo, Minas atingiu todas as metas do índice de avaliação da educação básica, o Ideb. Em seus dois mandatos, o número de concluintes do ensino médio estadual cresceu mais do que em qualquer outro estado do Sudeste. Foi o 11º maior avanço do país, o que não impediu o Estado de cair de oitavo para nono lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre 2000 e 2010. Assumiu o governo com a maior taxa de homicídios desde meados da década de 1980 e a devolveu 16% mais baixa oito anos depois.

Nas Minas de Aécio a receita cresceu muito acima da inflação. O Estado é o segundo que, proporcionalmente, mais arrecada ICMS, um imposto que pune quem ganha menos porque baseado no consumo e não na renda. O sindicato dos auditores fiscais comprou uma longa briga com o governo de Minas, batendo na alíquota residencial do ICMS (30%), “a segunda mais alta do país” em contraste com a baixa tributação sobre a atividade mineral.

Ao comando centralizado que marcou as gestões Dilma e EduardoAécio preferiu delegar a gestão. O escolhido foi Antonio Anastasia, considerado por correligionários e adversários como o melhor tecnocrata do PSDB. No segundo mandato, o governo, por delegação, começou a se ressentir da ausência do titular, o que não o impediu de terminar o mandato como o governador mais popular do país.

Seu primeiro arranque em 2014 se deu com as críticas à Petrobras. A gestão de Aécio na companhia energética, Cemig, é a antessala do que seria a Petrobras sob hipotético comando do senador tucano.

Sob Aécio, a estatal se expandiu e não fez política tarifária para minorar o impacto sobre a renda. O governador bateu às portas do Planalto para pedir que o BNDES encampasse a fatia privatizada da estatal. O Estado é minoritário nas ações preferenciais da Cemig, mas mantém-se majoritário sobre as ordinárias, que dão direito a voto. Sob seu comando, a estatal saiu comprando ativos e tem hoje a maior rede de distribuição do continente.

Aécio sempre pareceu menos determinado do que Eduardo em alcançar o poder e menos disposto a sacrifícios para exercê-lo. Mas antes do início oficial da campanha já tinha conseguido desfazer a descrença. Ao encerrar-se o prazo das coligações, conseguiu costurar palanques estaduais que surpreenderam aliados e adversários.

No café da manhã que se seguiu ao “Roda Viva”, já escaldado pela campanha petista, Aécio evitou a armadilha que acusa o tucano de armar arrocho fiscal em 2015. “O que eu disse é que não governaria de olho nos índices de popularidade, agiria com responsabilidade.” Qualquer um que seja o próximo presidente, se for minimamente responsável, terá que fazer ajustes. Aécio espera se valer da tradição que lhe confere a capacidade de tirar as meias sem descalçar os sapatos com os quais entrou na pista da sucessão. Vai, com certeza, precisar deles se pretende atravessar seu mandato indiferente à popularidade que uma eleição presidencial pode vir a lhe conferir.

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